6.4.09

Multidão

Acordo e não sei como sinto;
Vejo-me ao espelho e,
Não sei quem é o reflexo.
Ao andar pelas ruas,
Não sei quem sou ou,
O que faço aqui.
Para dizer a verdade,
Acho que toda a civilização
É um aglutinado de pessoas.
Como não há indivíduos
Mas apenas peões da multidão,
As ideias confundem-se todas
Existindo apenas uma.
Quem não tiver essa ideia,
É excluído da massa por
Não ser considerado normal…

Na minha opinião,
Cada cidadão é um indivíduo,
E cada individuo possui opiniões,
Opiniões próprias que podem
Ou não, ser concisas e estruturadas.
Talvez por achar isso,
Me sinta sufocada pela
Civilização em massa.

2.4.09

Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.


Fernando Pessoa, 1913